Entrevista com OSCAR SOTERO DA SILVA
parte VIII - final

Realizada em 23/03/2009
Por Luiz Carlos Saldanha Moreira


Umbu



Sotero e Umbu
Foto do acervo pessoal do Cel. Saldanha


"A história do Umbu foi assim:
Eu tinha chegado de fora, não lembro de onde, era um sábado e o telefone tocou me chamando na Escola. Era o Comandante Bonnecaze me convocando para ir lá.
Me mostrou um ofício convidando a Escola para participar do aniversário da Hípica e disse que queria levar um cavaleiro ou dois, mas não havia ninguém em condições.
- Mas eu não tenho um cavalo.
- Você tem ordem minha para pegar qualquer cavalo de instrutor.
- Não faço isso, não Sr. Muito obrigado. Dá licença que vou nas baias.
Corri todas baias, nada, nada, nada, Até que chego lá num canto das baias, todo cagado, estava o Umbu. Chamei o Rocha:
- Pega esse cavalo baio, lava isso, tosa ele, dá uma escovada, encilha e leva lá pra pista.
- Mas, esse cavalo?
- É esse mesmo. Pega a cabeçada do Mairã, bota aí e leva lá na pista.
Chamei o Schultz e o Amaro, Falei para cada um se armar com um pincho, na Nantes.
Armei uma sebe com vara com 1 m, decidi do meu jeito, parti para a Nantes ele me deu um "borrego", eu dei de cara na vara, voltei para a sela de novo. Puta que pariu!
Aí mesmo eu cobri ele no cacete. Dei-lhe uma surra no meio dos cornos, na virilha, por tudo que foi lugar e voltei para a Nantes.
- Amaro, pé, mão, focinho, o que puder. Barra esse puto até dizer chega!
Aí eu fui, pra lá pra cá.
- Agora levanta a sebe e faz um oxer. Bota tudo a 1,40m.
Dei-lhe uma surra lá na esquina do muro, parti e vim pra cá na transversal do júri. Parti pra cima da paralela e ele passou 1 metro acima. Do outro lado, outra vez 1 metro acima. Quando ele caiu recebi na perna e no chicote...pá, pá e chicote... pá, pá. Fiz alto, arranquei, fiz alto, arranquei e ele tava puxando na minha mão.
Aí eu disse:
- Rocha, leva, desencilha, cuida dele, vai no Rancho, apanha cenoura, um bocado de açúcar, mistura na aveia e dá ração. O concurso é às 4 horas. Às 2 horas o caminhão tem que estar na estrada.
Aí, ele fez tudo, foi embora.
- Vai levar ele, Autoridade? Perguntou o Bonnecaze.
- Vou. Vou representar a Escola nele.
- Não é possível, Autoridade, esse cavalo nunca pulou. Botei no Cavalo d’armas, Maranhão disse que não dava. Botei no Salto, disseram que não dava. Botei no Pólo, disseram que bate estaca. Botei no Pillier, não deu. Como é que você vai levar um cavalo desses?
- Autoridade, fique na sua que eu tenho a minha. Lá o Sr vai ver.
Quando eu cheguei lá, era uma pista de 1,40m, cheia de vasos.
Entro na pista. Sentado na assistência, em frente à sede da Hípica, está o Bonnecaze com outras Autoridades. Vou até a cerca da pista, faço continência pra eles e digo:
- Quem monta baio é baiano.
Eles deram uma gargalhada.
Ai bateu o sino - sino não, que já era dessas campainhas elétricas – eu não conversei. Fiz zero. Deu cada pulo!
Foram tirando, tirando... no fim ficou eu, o Alegria Simões, a mulher dele.
Quando chegou a 1,70m, só ficou eu e o Alegria Simões. Era um oxer a 150m por 1,80m de boca, com chamada falsa, armada pelo Magalha, e o muro.
Aí, passei e o outro, o Alegria, também passou.
Quando chegou pro muro a 1,80m, olhei pro muro, quando olhei, trouxe ele pra mim, ele puxou, botou as orelhas pra frente e trocou de pé. Quando ele trocou de pé, puxou na minha mão. Digo: - já passei. já passei, já passei, não há dúvida.
Acertei todos os botões, enchi o peito, cravei a perna... sobrou cavalo! Passei zero, zero. Alegria passou zero, zero. Tava montando um cavalo muito bom.
Quando foi pra 1,90m ele ficou no oxer.
Aí, eu fui para o oxer. Enchi o peito de ar, prendi a respiração, chamei meus amiguinhos lá. Sobrou cavalo, que tropeçou e quase fui de peito na cerca, de tão alto que passou. Aí, vim, ajeitei, virei pro muro, olhei, olhei bem, enchi o peito de ar, contei até três, montei nos três; quando ele viu o muro botou as orelhas pra frente, puxou na minha mão, trocou de pé, de novo eu disse:
- Já passei.
Enchi o peito de ar, mas com tanta vontade... Não é que o fdp passou sobrando, que se tivesse 2 m eu passava.
Aí, foi aí que eu ganhei os 5 mil de “chumbinho” e ganhei a taça.
Todo mundo ficou maluco.
No domingo o Bonnecaze já tinha mandado botar ele no meu boxe.
Aí eu vim embora, vim pra casa e quando chegou a segunda-feira ele estava morto na baia!!"


Cinco princípios da equitação



Dezembro de 1965, Bagé-RS. À esquerda, montado.
Foto do acervo pessoal do Cel. Paulo Rafael Azambuja


Sotero foi uma figura única.
Determinação é a linha mestra que baliza e permeia a vida de Sotero desde o momento em que decide ser Autoridade como o Luiz Vesgo, e vem até Umbu. Disse-me em certa ocasião que o cavaleiro tem que jogar o coração do outro lado do obstáculo e ir buscá-lo. Assim foi, principalmente, em Roma, assim foi com Umbu! Tanta determinação que perpassou alguns pecadilhos, como o pincho, "y otras cositas más"...
Extraordinário vigor físico ("Isto é corpo para carregar saco no porto e não para montar") , enorme sentimento equestre, dedicação extremada, observação acurada, eis o caldo de cultura que faz de Sotero um cavaleiro ímpar.
Estilo e método de trabalho próprios, que só darão resultado se nascer outro Sotero com a soma de suas características.
Seu estilo singular: puxa, regula, inverte ("eu faço ombro-arma com a cabeça da Cinderela e eu é que digo quando ela tem que sair") , sentadão, calcanhar para cima, quase desengonçado... (ele e o Pierre D’Oriola) – tudo a serviço da eficiência.
Conhecia e aplicava os efeitos do adestramento no flexionamento dos cavalos, particularmente na acentuada e irrestrita obediência à perna. Cabeça ao muro era a figura de predileção ("meus cavalos têm que terminar o trabalho com o focinho branco da cal do muro") .
Para o trabalho de salto utilizava seus cinco princípios da equitação:

Cavalo para montar
Pau para pular
Perna para empurrar
Mão para regular
Pincho para pinchar

Especialmente neste último "princípio", chegava a ser cruel, embora falasse muito mais do que realmente fazia. Alguns cavalos foram perdidos. Cavalo de Sotero, só ele conseguia resultado. Depois de passar por ele, ninguém mais - a não ser aqueles que trabalhava especificamente para Eloy.
Como os índios e os árabes, tratava seus cavalos com o maior desvelo. Cama, água, ração, limpeza... tudo com esmero. Ainda como os índios e os árabes, montado, tirava o máximo que um cavalo pode dar.


Es Equ Ex

Por fim, pergunto:
- Sotero, e a Escola de Equitação do Exército?

"-Tenho... Muita saudade! Tem meu sangue, meu suor, tudo isso... ali foi minha vida.
Eu perdi um lar por causa do esporte. O primeiro lar. Que eu sempre fui muito dedicado ao esporte e principalmente ao cavalo.
O cavalo foi para mim tudo na minha vida - TUDO!"


Adeus, amigo!




Desenvolvido por BNunes
Entre em contato conosco