Entrevista com OSCAR SOTERO DA SILVA parte VI
Realizada em 23/03/2009
Por Luiz Carlos Saldanha Moreira
Um salto abusado
Sotero e Arauto - sequência do salto sobre o DKW - 19 de dezembro de 1958
Fotos do acervo pessoal do Cel. Saldanha
"Eu era muito abusado. Quando eu saltei aquele DKW todo mundo dizia que eu era muito abusado.
O Paiva Chaves ficou com medo que eu amassasse o carro dele.
Botei o falecido Sgt Hermes para ser o motorista e pulei pra lá e pra cá com o cavalo que foi do Pepito – Arauto, que tinha
23 anos".
Ibañez
"Ibañez era um cavalo do Pato Magalha. Tordilho, grande, bonito pra caramba.
Andou de mão em mão, ninguém se acertava com ele.
Mandou para S. Paulo para o Renyldo que não se acertou com ele e devolveu o cavalo. Aí, ele deu a Chico Rabelo, que apanhou
praça, não se acertou. Deu para o Juventino, não se acertou, ficou com ele (Magalha).
Aí, quando um dia, trabalhando na pista, o Bonnecaze disse assim:
- Magalha, porque você não dá esse cavalo para o Sotero?
Ele ficou em dúvida, assim, pensando...
- O Sotero vai aos Estados Unidos.
Aí me deu o cavalo.
Mas o cavalo tinha um defeito, ninguém tirava o defeito dele.. Ele partia, quando via o obstáculo ele dobrava o pescoço
assim, quebrava para a esquerda, como pista de corrida. Quebrava o pescoço, você não podia enfrentar o obstáculo. Ninguém
conseguiu.
Eu peguei, encurtei a rédea do lado direito, peguei um chicote, quebrei, dei-lhe uma surra no meio da testa, dei-lhe uma surra
na virilha, comi nas esporas e no prego – foi logo para o prego, o prego era minha prova de fogo. Quando eu partia para o
obstáculo que ele quebrava o pescoço, eu puxava a rédea direita e balançava o chicote na esquerda da cara. . Aí, ele fazia
assim, ia meio torto, mas pulava.
Três "saltão", podia botar a mão na nuca, ele ia direto.
Corrigi num salto! A experiência! A experiência!
Tudo isso era o sentimento. Muita observação, muita observação.
Muito, muito aprendi com os outros.
Para chegar a ganhar tem que se fazer de tudo e ser muito humilde".
Na Bolívia
"Foi em La Paz, um Campeonato Sul Americano Militar, com cavalos de lá, sorteados.
Depois do almoço, os cavalos em forma na pista, fomos fazer o sorteio dirigido pelo Almirante Amaral (Barrati?) - é um
Almirante de verdade que a Bolívia tem – era o chefe geral da competição.
Em duas taças os nomes dos cavalos, um grupo bom e o grupo miserável.
O Turco Azam sorteou o cavalo do grupo bom, um alazão. No grupo miserável me saiu um tal de Trago Amargo, um monstro dum
cavalo, como o Mairã, forte, atarracado, zaino, com um olho de mau, bonito, gordo. Era do Ministro da Energia da Bolívia, que
eu conheci em Buenos Aires. Ele me disse que era um cavalo que ninguém conseguia pular bem com ele.
Levei 2 chicotes – um apontado por mim e outro um chicote inglês que comprei que dava na virilha, na rola.
Tinha um tempo marcado para se experimentar o cavalo, um cara sentado com uma prancheta. Para mim deixaram tempo livre porque
era um cavalo muito difícil.
Embaixo tinha um bosque de eucaliptos. Fui pra lá. Puxava a rédea contra um pé de eucalipto, pum, dava uma porrada no queixo,
puxava a outra e era porrada do outro lado. Comia ele no chicote e na perna. Pernada, borboletaço, chicote de um lado e na
cabeça. Alarguei, encurtei e associei esse grito. “ham”. Quando eu fazia “ham” ele dava um pulo pra frente. Digo. - Tá bom.
Quando voltei, me apresentei ao da prancheta que perguntou se eu não queria mais tempo. – Não, eu quero pular.
Tinha um Pau com vara, uma estacionata e um muro. Eu disse; - Levanta! Pensei: eu vou dar de cara aqui nesse pau, mas ele vai
se foder comigo.
Quando o cara armou, dei uma volta, 2 pernadas, 2 lambadas, chicotada na rola, suspendi a frente, segurei temperei a garganta
e parti. Enchi o peito de ar, 1, 2, 3, ele passou 1 metro acima. Parti para a estacionata, lá em cima, Virei para a esquerda,
dava para saltar até de mão na nuca!
- Mas Sotero, como é que esse cavalo....
Menino, era excepcional, não tocava em pau, era uma beleza!
No dia da prova, no dia seguinte, tudo certo, me chamaram para entrar.
O Trago Amargo acuou. Botou as mãos na parede, botou as mãos na cerca da pista, não entrou de jeito nenhum, não houve jeito.
Batia com as mãos, murchava as orelhas para morder os outros, não queria entrar de jeito nenhum. Me chamando lá e eu lutando
pra entrar. Aí eu disse:
- Abre a porteira, abre aí!
Abriram a porteira e eu dei uma volta e entrei recuando. Entrei de bunda até o meio da pista!
Fechada a porteira, eu fiz continência e fiz zero faltas. Um zero bonito!
Tinha um tenente igual ao Renyldo montando um alazãozinho, o melhor cavalo da Bolívia caiu pra ele no sorteio. Ele tinha
chegado da Escola de Equitação do Chile. Entrou e fez zero falta,num tempo fdp. Todo mundo pensava que eu não chegava no
tempo.
O 1º obstáculo era um irlandês isolado. O Trago Amargo, me disseram, acuava nos cantos da pista. Botei um soldado boliviano em
cada canto, paguei 5 bolivares para cada.
- No se queda caballo, no se queda...gritavam.
Quando eu parti para o triplo, parti de dente trincado. Zerão.
Terminava no rio, com 4,5m. Disseram que ele não pulava rio. Não pulava, vai pular agora, ou pula ele ou eu, um de nós dois
vai pular. Levantei a frente e ele saltou assim, de 4, olhando para o teto. Terminei zero.
Tá aí aquela taça, aquela grande. Campeão Sul Americano Militar!
Depois que eu cheguei aqui no Brasil, o Ministro da Bolívia, que era meu amigo, escreveu uma carta e me telefonou duas vezes,
que queria mandar o cavalo de presente para mim, que ninguém tinha meio de montar, se eu queira ele de presente. Eu mandei
agradecer a ele, que era muito trabalho mandar o cavalo de lá para mim. Eu devia ter recebido o cavalo que era uma beleza
– Trago Amargo".
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