Entrevista com OSCAR SOTERO DA SILVA parte IV
Realizada em 23/03/2009
Por Luiz Carlos Saldanha Moreira
Sistema Eloy/Sotero
Terminado o Curso, Sotero é nomeado Monitor da Curso Especial de Equitação (Es Equ Ex), e aí fica servindo por 23 anos, até
sua transferência para a reserva.
Em 30 Mar 1950 o então Maj Eloy Menezes assume o comando da Escola e permanece na função até 2 Jan 1961.
Tanto tempo servindo junto, solidificou-se grande amizade.
Um trecho da citação de Renyldo Ferreira na sua obra História do Hipismo Brasileiro, sobre Eloy Menezes, nos diz:
"Amante dos esportes em geral, Eloy personificava o atleta competidor, tanto nas disputas militares de vôlei, basquete e
pentatlo, como no futebol profissional defendendo o Vasco da Gama. Foi muitas vezes campeão brasileiro de salto e CCE e um nº
1 rápido e goleador de pólo. Valendo-se dos dons naturais para a prática de qualquer esporte, não gostava muito de treinar. e
muito menos de perder. Esse dom se estendia ao hipismo. Com notável sensibilidade conduzia os cavalos com maestria e extrema
leveza de mãos.
Falar de Eloy é falar de uma época de ouro do hipismo brasileiro"...
Quase antípodas nas origens, formação, hierarquia e métodos de trabalho, quase siameses na simpatia, na sensibilidade e no
talento para o hipismo, formaram um sistema vitorioso, ao qual o Exército e o Brasil devem inúmeras grandiosas vitórias.
Ao assumir, Eloy convida Sotero para trabalhar os cavalos, que não teria tempo para montar como comandante.
Conta Sotero:
"Então eu escolhi três cavalos para o Eloy: Bororé, um alazão, Emir, cavalo que tinha sido bi-campeão no Cavalo d’armas e um
tordilinho, baixinho, não me lembro o nome, muito pequenininho, mas era um craque.
Aí, eu assumi o comando...Ruivo. Ruivo, era o nome do tordilho.
Eu tinha um cavalo que era particular do Expedito, que quando foi embora deixou na Escola entregue a mim. Um cavalo muito
violento, mas muito bom cavalo.
Ai eu passei a entrar nas provas para sargentos, que não se podia competir com oficiais.
Mais tarde, eu também trabalhei para o Eloy o Irajá, que o avô Ruy Couto, vendeu para a CDE, Cairo, que foi do Mariat, Otávio
Mariat, que comandava o Campo de Instrução, Anhangá.
Biguá, ninguém queria. Andava solto dentro da baia, agredindo todo mundo. Brabo que nem uma peste. Todo cheio de ferida de
tanto cair pelo chão, de magro. Todo dia eu levava ele na veterinária, puxando ele, com um cabo de vassoura na mão, se não
ele me agredia.
Quem tratou dele foi o Darcy Vilaça, veterinário na época. Foi criado mais na veterinária.
Quando ele pegou corpo, ficou valente, ficou danado, andava solto pelas baias. Ninguém botava coleira. Pra dar comida era um
olho no padre, outro na missa, que ele atacava.
Aí, quando foi uma tarde eu disse:
- Eu vou ajeitar essa porra desse cavalo.
Lacei ele, mandei encilhar. Nunca tinha levado sela, deu alteração. Botei uma cabeçada, botei uma guia e botei um cara a
cavalo pra me tirar de dentro do picadeiro. Ele empinava querendo manotear a cabeça do acompanhante.
Quando eu consegui sair pelo portão eu gritei para o sentinela:
- Fecha essa porra aí que eu vou embora para o Gericinó, Nova Iguaçu e só volto amanhã.
Saí com ele no cacete, dei-lhe 4 cacetadas no meio da cabeça, dei-lhe no queixo, dei-lhe na nuca pra ele sentir o peso da
Autoridade.
Não tinha passagem de nível nem ponte para passar os trilhos, e do lado de lá, era tudo campo de instrução da Escola Militar.
Entrei no Gericinó e fui lá pra Nova Iguaçu. Quando eu cheguei de volta, às 5 da tarde, numa merda danada, eu com fome, suado
e ele já fazendo o que eu queria.
E aí eu assumi o comando dele. Quando eu preparei ele "em condições de", depois de muito trabalho, eu chamei o Eloy e
disse:
- Coronel, esse é o Biguá, o cavalo que ninguém queria, é o craque da Escola.
Dei para o Eloy e de lá pra cá, foi o que se viu...
Quando saí tenente, trabalhava para nós, metade dos cavalos para cada um. Eu dava sempre os melhores para ele, porque Eloy não
trabalhava os cavalos, só gostava de fazer 6,5m.
Tínhamos provas nas 4ª feiras, da CDE e nos sábados e domingos na Hípica. Eu escalava os cavalos para cada prova.
A gente não reconhecia a pista percorrendo, era de fora mesmo. Não adianta planejar cada curva, cada lance, aquilo é um pedaço
de segundo, é o instinto, o sentimento do cavaleiro que resolve o problema.
Eu conhecia bem cada cavalo e dizia para o Eloy:
- Olha, este mergulha demais, no que ele mergulhar, levanta a frente dele dentro do duplo. Este gosta de encostar, não deixa
ele encostar, tira sempre um metro antes. Dizia o que ele podia fazer, corre aqui, vira lá, naquele vai de cantoneira. Eu dava
corda nos cavalos, e o Eloy sabia explorar cada cavalo".
Até ser promovido a Oficial, qual “fiel escudeiro”, acompanhou Eloy em todas equipes que participou, no Brasil e no exterior.
Embarcando e desembarcando cavalos em longas viagens marítimas, aéreas, por via férrea, cuidando, tratando e trabalhando as
montarias para as provas.
Extraordinária dedicação! Como a que nos conta:
"Numa ida aos Estados Unidos, em 1951, O Biguá começou a dar alteração, ameaçando quebrar o engradado em que viajava, que se
fosse encostado à lataria, furava o avião. O comandante do avião me chamou e disse que ia matar o cavalo porque perigava o
vôo. Eu disse:
- Não vai matar porra nenhuma! Eu vou me abraçar com ele e vai morrer nós dois.
Me abracei, alisei, dei cenoura, fiz carinho, ele cheirou meu braço, deitei ele, chamei o comandante e disse:
- Olha aí, está tranquilo.
Eu tinha levado uma injeção!"
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