"Onde estivesse, lá estava a alegria. Extrovertido, simpático e sempre contando suas incríveis histórias, constituiu-se em
elemento de união nas equipes das quais participou. Seu excepcional espírito de cooperação justificava a admiração e a amizade
com que o cercavam os companheiros de esporte. Um lutador por natureza, para Sotero não havia prova perdida, tivesse ou não
cavalo para vencer. Cavaleiro internacional, olímpico e renomado preparador de cavalos, é uma figura ímpar do hipismo
nacional."
Renyldo Ferreira in História do Hipismo Brasileiro
Entrevista com OSCAR SOTERO DA SILVA parte I
Realizada em 23/03/2009
Por Luiz Carlos Saldanha Moreira
Escola de Equitação do Exército - Sotero, Cel. Serratini, Cel. Saldanha
Foto do acervo pessoal do Cel. Saldanha
Algumas histórias
De retirante a soldado
"Eu morava no sertão pernambucano, interior de Garanhus, com o pai e 16 irmãos. Tinha cavalo, gibão. Andava pelo sertão atrás
do gado; derrubava boi pelo rabo.
No lugarejo tinha um cabo da polícia, a maior autoridade de lá. Era o Luiz Vesgo, que não era vesgo, sério, cara de mau,
sempre armado de revolver e um porrete na mão. Na rua - que não tinha calçada, era tudo terra – não desviava de ninguém e
ninguém era bobo de esbarrar nele.
Era uma Autoridade!
Aí eu pensei: não nasci para esta vida de agricultor, eu nasci para ser milico, uma Autoridade!
Meu pai casou outra vez, desavenças, aborrecimentos...
Vendi meu gado, peguei o dinheiro e uma mala de papelão, botei um par de botina, camisa, calça e chumbinho
(dinheiro)
no bolso. Mandei Zé Bigode encilhar o burro Monstrueb, que eu gostava muito, e a burra Maravilha para me levar até
Garanhus.
Em Garanhus ele me deixou e voltou com o Monstrueb.
Me despedi, comprei uma passagem de trem para Recife. Em Recife fui trabalhar numa pensão na Rua Direita - a rua mais torta
que tem - onde trabalhei mais ou menos duas semanas, até juntar dinheiro para comprar a passagem num Ita
(navio costeiro).
A passagem de 1ª era cara pra c. De 2ª não deu. Tinha o porão onde vinha toda merda, urina, vômito... Vou nessa!
Não durmo...
Levei quase um mês para chegar do Recife ao Rio.
Quando saltei, todo mundo com família esperando e eu não tinha família.
Fiquei olhando para o teto, o guarda veio e perguntou assim:
- Garoto, o que você está fazendo aqui?
- Eu vim do Norte e vim pra cá procurar emprego, trabalhar.
- Não tem. Hoje eu estou de serviço. Você pode dormir aqui no banco, aqui debaixo do galpão, à beira do mar.
No dia seguinte ele me pegou e me levou para o Campo de Santana, que era fechado. Tinha bicho de tudo o que era qualidade.
Tinha um Guarda Municipal que gostou de mim.
De noite, quando chovia eu dormia de cócoras na entrada do mictório. De manhã ele arrumava café, uma laranja que eu comia com
bagaço e tudo, sentado no chão.
Um dia, eu vou saindo e passa um laranjeiro com um tabuleiro na cabeça, tinha um olho assim, era nortista.
- Peste, que tu tá fazendo aqui, bichinho?
Aí, eu contei toda história pra ele.
Ele disse: - Tu tá com fome, peste?
- Eu tô com uma fome da gota.
Ele tirou o tabuleiro da cabeça e mandou eu comer laranja. Comi 12, com bagaço e tudo, que eu não comia a 2 ou 3 dias.
Aí, ele me deu um mil réis e disse:
- Pega o trem.
Ali não tinha Central era galpão de flandres.
Peguei o Maria Fumaça e fui a Deodoro para ser soldado na Vila Militar.
Aí, eu saltei em Deodoro. Me ensinaram, subi a rua, não tinha luz, era de chão batido. Eu subi de quartel em quartel.
- Fechou ontem, não aceitamos voluntários.
Pqp, tou ralado.
Quando cheguei no Andrade Neves, tinha formatura. Quando eu vi aquela formatura o cabelo arrepiou.
Um cara de bigode, na guarda, disse assim:
- Aqui não se aceita voluntário que matou na Paraíba. Criminoso só recebe a Es A O e Escola das Armas.
O Andrade Neves, antigo 15, tinha acabado de ser Corpo de Trens.
Ai, eu chorei,chorei perto do bigodudo e perguntei:
- Quem é o dono desse negócio aí?
- Aqui não tem dono, eu vou chamar alguém pra te atender.
Chamou o Sargento da Guarda. Expliquei para ele toda minha situação... estava passando fome.
Ele me levou ao Adjunto e este ao Oficial de Dia que me levou ao Souza Dantas, (comandou o A. Neves de Fev 1935 a Fev 1936),
o baiano, que quando me viu disse:
- Conterrâneo. Esse menino é meu conterrâneo.
Botou a mão na minha cabeça, me abraçou, todo contente.
Eu contei toda minha vida para ele, mandou chamar o Alcides Pereira Telles, irmão do Ladário, puxando de uma perna, um tiro
que levou no Rio Grande. Era um Capitão ruim pra c... .Isto no ano de 1935/6.
Souza Dantas disse:
- Você toma conta desse garoto no seu Esquadrão, porque esse menino vai ser o que nós somos hoje, ele vai ser amanhã. Esse
menino tem muita cabeça e é muito inteligente.
Você toma conta dele, zela por ele, porque se puder faz ele soldado. Dá uma cama,percevejo pra c..., eu dormia na varanda do
picadeiro com duas folhas de jornal.
Aí, eu fiquei um tempo no Esquadrão e passei para o rancho. Fui cozinhar. Tinham 2 cozinheiros. Aí aprendi."
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