Mudança de pé no ar - I parte

Autor: Tulio Balestreri Nunes


Introdução:

A mudança de pé no ar é a mudança de pé do galope durante o tempo de suspensão, sem nenhum tempo intermediário de trote ou passo. O cavalo deve conservar o ritmo, a cadência, a calma, a descontração e a retidão.
Sua invenção é creditada a François Robichon de La Guérinière (1688-1751), talvez o mais influente dos grandes mestres da equitação.
Há alguns poucos cavalos com uma grande facilidade natural para executar a mudança, alguns apenas para um lado, e outros, em número menor ainda, para os dois lados. Em condições normais, o ensino deste movimento só deve ser feito após o cavalo executar com perfeição as partidas ao galope, a partir do passo, nos dois pés, as transições do galope para o passo e as mudanças de pé simples (pelo passo). O cavalo deve estar permeável às ajudas do cavaleiro (through), além de ter condições de galopar descontraído, reunindo ou abrindo o galope sem perder a cadência. O contato deverá estar suave, porém uniforme nas duas rédeas.

Uma análise do movimento:

No livro "Equitação Acadêmica", o Gen Decarpentry faz uma interessante análise do mecanismo da mudança. Tentarei resumir a idéia do que ele fala, mas recomendo a leitura do original.
Quando o cavalo executa uma mudança de pé, a análise em câmera lenta mostra que os membros, anterior e posterior, do lado que o cavalo galopa originalmente, pousam duas vezes seguidas, ao passo que os do outro lado permanecem em suspensão, sem tocar o solo. Portanto, para uma mudança do pé direito para o esquerdo, o posterior direito tocará o solo duas vezes consecutivas, permanecendo o esquerdo no ar. O mesmo acontece com o anterior direito. Vejamos a sequência de batidas:

- Posterior esquerdo (1o. tempo de galope do lado original.)
- Diagonal esquerda (2o. tempo de galope do lado original, posterior direito no chão, posterior esquerdo no ar).
- Anterior direito (3o. tempo de galope do lado original, anterior direito no chão, anterior esquerdo no ar).
- Suspensão.
- Posterior direito (1o. tempo do galope no novo pé, posterior direito tocou novamente o solo, e o posterior esquerdo permanece no ar).
- Diagonal direita (2o. tempo do galope no novo pé, só agora o posterior esquerdo toca o solo, e o anterior direito toca o solo novamente, permanecendo o anterior esquerdo no ar).
- Anterior esquerdo (3o. tempo de galope no novo pé, só agora o anterior esquerdo volta ao solo).

A câmera lenta também nos mostra que a mudança de anteriores e posteriores não é simultânea. Para que o cavalo consiga fazer a mudança dentro do mesmo lance de galope, é necessário que haja uma precedência da mudança dos posteriores. Se a mudança for simultânea, ou caso haja uma precedência dos anteriores, o primeiro lance após a mudança será desunido.
Muitos cavaleiros tentaram indicar o momento, durante o último lance de galope do lado original, em que a indicação de mudança deve ser feita ao cavalo. E há muita controvérsia a respeito do assunto. O momento ideal varia de cavalo para cavalo e de cavaleiro para cavaleiro, dependendo da sensibilidade de cada um. Mas podemos tentar determinar os limites, inicial e final, para a execução correta do movimento. Fora de tais limites, o movimento é impossível de ser executado.
- A inversão do movimento dos membros é facilitada durante o tempo de suspensão se os membros estiverem, aproximadamente, em uma distância igual do solo, isto é, mais ou menos na metade do tempo de suspensão.
- Para os posteriores, que devem mudar primeiro, a inversão é mais difícil durante o primeiro tempo de galope, pois o pé apoiado suporta todo o peso do cavalo (é óbvio que a mudança física da posição dos posteriores não é possível com um pé apoiado, Decarpentry refere-se a mudança da inflexão da garupa).
- Para os anteriores, a mudança é fácil no primeiro tempo de galope, mas deve ser evitada, pois causaria a desunião do galope.
- A mudança dos anteriores vai tornando-se mais difícil à medida que o ante-mão começa a descer, isto é, durante o segundo e terceiro tempo de galope.
- A mudança dos posteriores deve iniciar-se ainda durante o terceiro tempo de galope, e concluída durante o tempo de suspensão. A mudança dos anteriores inicia-se durante o tempo de suspensão, e só vai ser concluída quando o cavalo já está no primeiro tempo do galope para o outro lado.
O "timing" do movimento deve levar em conta o tempo que o cavaleiro leva para conseguir dar a indicação após perceber "ser o momento", bem como o tempo que o cavalo leva para reagir a esta indicação. Todo esse processo deve estar concluído no momento que deve iniciar a troca. Como isso dá-se numa ínfima fração de segundo, torna-se praticamente impossível racionalizar. O cavaleiro terá, necessariamente, que "sentir" o momento correto, não atrasando nem restringindo o movimento, quer com sua mão, quer com seu peso, quer com a atuação fora de tempo de suas pernas. Por isso, é recomendado que o ensino da mudança de pé seja feita por cavaleiros experientes. E cavaleiros novos devem adquirir o tempo certo da mudança em cavalos que já sejam experientes no assunto.

O ensino da mudança:

É bem possível que o cavalo que atinja toda a maturidade de trabalho que preconizamos na introdução deste estudo faça a mudança de pé do galope apenas pela inversão das ajudas. Como nem sempre isso acontece, e como, algumas vezes, queremos antecipar um pouco o ensino do movimento, veremos alguns métodos que podem ser utilizados.
Qualquer que seja o método a ser empregado, algumas premissas devem ser obedecidas:
. O ensino deve ser iniciado sempre do pé que o cavalo galopa pior para o pé que o cavalo galopa melhor. A mudança para o outro lado só deve ser pedida após estar confirmada a mudança para o primeiro lado.
. Escolhe-se um ponto no picadeiro ou pista e pedimos a mudança sempre no mesmo lugar.
. O cavalo não deve estar muito cansado no momento do início das lições, o ideal é que dediquemos o trabalho do dia apenas para isso. Iniciamos por uma sessão de descontração e extensão do pescoço, para aquecer a musculatura do cavalo, e partimos para as lições de mudança de pé.
. O cavalo jamais deverá ser punido se não conseguir realizar corretamente o movimento. Se o cavalo desunir, devemos tomar o passo e partir novamente no pé original. Jamais tentar corrigir um galope desunido fazendo o cavalo correr, isso só faz com que o cavalo "debruce", não ajudando em nada o que estamos tentando fazer.
. Se o cavalo conseguir fazer a mudança e correr, acalme-o sem puxões na boca. Recompense-o logo após a mudança, deixe-o livre por alguns lances e retome-o suavemente, colocando em círculo se necessário.
. Na primeira vez que o cavalo conseguir fazer uma mudança correta, apeie e leve-o puxado para as cocheiras.
. Só pedir a mudança se, ao chegar no ponto desejado, o cavalo estiver em condições de realizá-la, ou seja, deve estar direito, calmo, descontraído e com contato uniforme nas duas rédeas.
. Todas as ajudas do cavaleiro devem ser claras, precisas, e sempre indicativas, jamais restritivas.
. O assento do cavaleiro deve permanecer o mais neutro possível. No momento da mudança, o cavaleiro pode avançar um pouco o assento, apoiando seu peso no estribo do lado do galope original. Isso facilitará o movimento do posterior interno do novo lado do galope, que é o membro que realizará o movimento mais amplo durante a mudança. Jamais o cavaleiro pode jogar seu peso na direção da mudança, muito menos jogar as espáduas para o novo lado do galope. Lembre-se, a mudança deve iniciar pelos posteriores.

Vamos iniciar pelos quatro métodos ensinados no livro "Advanced Techniques of Dressage", um dos manuais da Federação Equestre da Alemanha.

1-Mudança do galope justo para o galope falso, no lado maior do picadeiro:

O cavaleiro segue pela pista no galope justo, bem cadenciado, e, ao chegar mais ou menos próximo ao meio do lado maior, o cavaleiro executa uma ou duas meias-paradas e inverte as ajudas do galope. À primeira vista mais difícil, tem a vantagem de impedir que as ancas se entortem. Somente deve ser tentado com cavalos em adiantado patamar de trabalho.
Pessoalmente, penso que este método não deve ser utilizado para ensinar a mudança, mas pode ser utilizado para corrigir cavalos que não conseguem manter a retidão durante a mesma.

2-Mudança após retornar à pista após uma meia-volta:

No final do lado maior, o cavaleiro, após uma ou duas meias-paradas, executa uma meia-volta não muito ampla, 8m no máximo, com o cavalo perfeitamente conectado entre a perna de dentro e a rédea de fora. Ao chegar de volta à pista, o cavaleiro inverte as ajudas. Também exige um cavalo com um bom nível prévio de trabalho.

3-Mudança após retornar à pista, em apoiar, após uma meia-volta:

Exatamente como o método anterior, porém retornando à pista em apoiar. Torna a mudança um pouco mais fácil que no método anterior, mas tem a desvantagem de permitir que a garupa "jogue" para o lado da mudança.

4-Mudança no círculo, do contra-galope para o galope justo:

Coloca-se o cavalo em contra-galope, num círculo, e a indicação da mudança é feita um pouco antes de chegar ao lado maior. Também exige um cavalo num nível adiantado de trabalho.

Philippe Karl identifica, em seu "Twisted Truths of Modern Dressage - A Search for a Classical Alternative", algumas incorreções nos métodos citados neste manual da Federação Alemã, e teremos, mais adiante, a oportunidade de analisar suas observações.

Vamos ver, agora, o método ensinado no livro "Equitação Acadêmica", do general francês Albert Decarpentry, citado anteriormente:

5-Associação da partida ao galope em um ponto específico do picadeiro:

O cavalo deve estar perfeitamente calmo e descontraído. Como aquecimento, devemos executar apenas exercícios que o cavalo realize muito bem, e ele deve ser generosamente recompensado a cada execução.
Depois disso, tomamos o passo, por exemplo, pista à mão direita, no final do lado maior do picadeiro, e, no centro do lado menor, iniciamos um círculo de 20 m, em um passo livre, bem ativo. Após algumas voltas, o cavaleiro retoma as rédeas, e tenta obter um passo com os quatro tempos bem marcados, com passadas curtas, igualmente bem ativas. Ao tangenciar o lado menor (esta localização permite ao cavalo permanecer no círculo sem grande interferência do cavaleiro, visto que está limitado pela parede), e cuidando para ser sempre neste mesmo lugar, o cavaleiro pedirá a partida ao galope à direita. Cada partida deverá ser seguida por apenas alguns lances de galope, e o cavalo será recolocado ao passo após meio círculo. Cada partida deverá ser feita utilizando-se das ajudas habituais, e, associando o movimento a um comando de voz, o cavaleiro deverá dar uma indicação "galope", firme e rápida, porém sem gritar. Devemos seguir assim até que o cavalo consiga partir ao galope apenas pelo comando de voz.
Após essa primeira convenção ser bem assimilada pelo animal, deixamos que este dê uma ou duas voltas no círculo ao passo livre. Retomamos as rédeas e, bem longe do nosso ponto de partida ao galope no pé direito, por exemplo, na parte diametralmente oposta do círculo, pedimos o galope no pé "esquerdo" (contra-galope). Quando o cavalo aproximar-se do nosso local de partir à direita, o cavaleiro deve dar as indicações de partida, acompanhado do comando de voz "galope", e permanecer com as ajudas para o galope à direita, sem, em momento algum, aumentar sua intensidade. Geralmente, o cavalo manifestará alguma reação, e tentará fazer alguma coisa, embora com alguma hesitação. Tentará mudar a andadura, perderá regularidade, e poderá dar alguns lances desunidos. Após um certo tempo (poderá ser longo), poderá acertar o galope, realizando a mudança. Quando isso ocorrer, dar liberdade para o cavalo galopar, e, em seguida, tomar o passo e deixar o cavalo repousar. Se o cavalo não tiver a mínima reação (o que é raro), ou, após já ter conseguido a mudança, não ter mais reação ao pedido (isso já não é tão raro), retomar o passo e pedir novamente a partida à direita utilizando-se do método empregado inicialmente.
Só devemos retornar a este estágio se o cavalo não estiver apresentando nenhuma reação à pedida. Enquanto ele tentar alguma coisa, deve ser permitido que o faça. É muito raro que o cavalo não consiga mudar se todas as condições que listamos forem atendidas.
Após a mudança desta maneira estar confirmada, podemos variar a posição do círculo em que é pedida, e, depois, fazermos em locais diversos. Só depois disso faremos o mesmo procedimento para o outro lado.

Segue


Desenvolvido por BNunes
Entre em contato conosco